Quem nunca utilizou a expressão, “teatro corporativo”, referindo-se às posturas, comportamentos em reuniões, táticas e olhares? Ter a impostação de voz na hora certa, tudo muito calculado como uma peça bem ensaiada para o seu personagem roubar a cena?
Pois era essa a imagem que me vinha à cabeça quando recebia o release sobre o curso livre da Faap, “Teatro para executivos”, sem ler o texto na íntegra. Até que resolvi saber do que se trata realmente e entrevistei Nany Di Lima, diretora, atriz, psicóloga e pasmem, oriunda da área e Recursos Humanos. Desde 2008, a atriz que já fez oito novelas, inúmeras peças, conta com turmas lotadas a cada dois meses para levar o melhor das artes cênicas aos executivos.
No curso, se a sua expectativa é que você vai se tornar um “ator” no ambiente de trabalho, “ser outro”, colocar uma máscara, a proposta é bem diferente. “Fazemos o contrário, buscamos seu espontâneo. Fazemos um diagnóstico de speech e investimos no estilo individual. A partir do autoconhecimento, do autodesenvolvimento, da consciência do que você comunica quando fala”, conta a atriz.
Nesses quatro anos de trabalho, Nany observa que não existe um perfil predominante de executivos, nem de faixa etária. Muitos são das áreas financeiras e de TI, “normalmente mais fechadas”, mas até mesmo médicos, jornalistas e publicitários já passaram pela sua direção. Um dos motivos mais recorrentes da procura pelo curso é a timidez ou mesmo a dificuldade de se expressar na hora de apresentar um projeto. “Mais do que comunicar, os profissionais querem encantar sua platéia”, avalia a atriz.
Segundo Nany, quando o profissional precisa comunicar algo, é preciso que ele esteja inteiro naquele momento, dedicado, que não preste atenção se o chefe está na quarta fileira, quem está entrando ou saindo. “Para isso, os participantes do curso acabam percebendo que a prática de autoconhecimento é fundamental para se localizar naquela plateia”, diz a ex-gerente de desenvolvimento.
“Minha missão é levar o teatro para não atores. Aqui na FAAP, que abriu as portas para uma proposta inovadora, falar para esse público sobre presença, vibração, expressão, pausas, silêncios, ritmos, velocidades, tempos, andares, olhares, vibrações, modulações e corações é muito gratificante”, descreve Nany com certo orgulho (merecido) de trabalho desenvolvido.
São muitas as histórias que já passaram pelo seu palco, onde medos são revelados, trabalhos encenados e reavaliados. Entre esses cases, Nany “relê” dois deles para o blog. Impossível editar! De presente para vocês:
Um executivo de consultoria internacional:
O menino foi recitar Shakespeare na escola, a pedido da professora.
Na hora, assustado com tanta gente, teve um impacto e perdeu a palavra.
A professora cutucou, cutucou e quanto mais ela “espremia” mais silencio ele
fazia. E a plateia, ria! Apagão. Tudo se tornou escuro.
Desde então, fez silêncio entre empregadores e sócios faladores, entre
plateias histriônicas de NY, Tokio, SP e China. Os sócios, aborrecidos com a aparente timidez, o sentiam mais estagiário que sócio, dado que mal sabia se expressar. Será que sócio vai ficar?
E ele então, resolveu aproximar-se novamente do bardo. Teatro para Executivos. Tentativa de tirar o fardo.
No coração da sala de ensaio, sala de histórias lindas e encantadas, refez o mesmo trecho de Shakespeare num exercício simples, querendo com ele, a cena restaurar. Essa se parecia com uma peça rara de antiquário. Linda. Conservada. E o menino ao invés de
calado, começou a gritar.
Gritou que não queria mais calar. E que todos parassem de lhe perturbar. Primeiro um silêncio. E depois, risos, do momento da faxina, que tirou debaixo do tapete uma voz potente, uma firmeza da fala e gigante estava sua clareza de intenção. Fez valer a peça. Fez valer o dia. E a sociedade ? Nem finda…
* * *
E tem aquela executiva, primeira linha, diretora do conglomerado financeiro que,
um dia, viu o pai ir embora. Naquele dia, pediu muito prá ele ficar. Que ela não queria que ele fosse. Pediu, pediu, pediu. E ele nada deu. Nem explicação.
Sua questão também era de coração. Disse que cliente não encara: não pede pra
ninguém comprar, assinar, acordar. Não sabe expressar, influenciar. Mostra o que de bom tem, o quanto vale a pena seu servir, mas pedir nunca mais. E portanto, nenhum grande contrato. Nenhuma carteira cheia. Nenhum sim tampouco não.
A cena de encerramento era ela… encerradamente alta, loira, cheia de marcas “chic´s” na roupa e fundas outras, no coração. Pegou uma boneca de pano e levou pro meio do palco.
Olhou fundo, pro fundo da plateia. Todos éramos “aquele momento” . O da partida.
E reviveu aquilo tudo. E viu ele partir. Sem explicar. E viu-se a ficar. Sem entender. Sem expressar. Contou que assim não queria, mas sem ter como mudar, deixou a boneca cair naquele lugar. Da sala de aula encantada. E disse que ali, aquela dor, ela queria deixar.
A luz iluminou o brinquedo de pano e mais a lágrima da dor daquele sufoco. E ela sai coxia adentro, rindo do desencanto. Que agora, ela pôde tratar. Final de curso ela brinca com desenvoltura. O papel de quem sabe negociar: O meu é o melhor. É você pegar ou largar.
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