O desafio
de encontrar bons profissionais leva as empresas a introduzir nos processos
seletivos técnicas inusitadas e nada eficientes. Veja alguns exemplos
Por Ursula
Alonso manso. Ilustrações: Marceleza
Tudo
começa num almoço com o headhunter para uma sondagem inicial para a vaga. Como
num namoro, os dois estão se conhecendo. Depois, vem o convite oficial para uma
primeira entrevista, na qual são expostos a proposta, o perfil e as
competências exigidas para o cargo.
O headhunter mostra um interesse incomum no
signo e no dia de nascimento do candidato. Mas até aí tudo bem. Tem gente
obcecada por astrologia mesmo. em seguida, são marcadas reuniões com altos
líderes da companhia contratante ou happy hours com seus executivos.
E, quando
o candidato acha que já passou por todas as etapas do processo, surge um
convite inusitado: "Que tal você mostrar suas habilidades culinárias na
cozinha do nosso refeitório?", indaga o recrutador.
"Há empresas que ultrapassam os limites e expõem os candidatos a situações vexatórias", diz Waleska Farias, consultora de carreira e imagem do Grupo Hel, do Rio de Janeiro, que presta serviços de gestão de pessoas para o setor hoteleiro.
Cobrados
para fazer coisas que se dividem entre constrangedoras e estúpidas, os
headhunthers tentam, muitas vezes em vão, argumentar que um bom processo
seletivo dispensa técnicas bizarras, como pedir para um candidato varrer a sala
de entrevista.
Para Magui castro, sócia da CTPartners, o fundamental nessa
etapa de namoro é buscar referências de ex-chefes, ex-pares e ex-subordinados,
além das informações do mercado e das pessoas que o headhunther conhece e
confia. “O mais complexo é o alinhamento do perfil do profissional à cultura da
empresa. Para isso a checagem de referências é melhor do que qualquer
dinâmica”, diz Magui.
André
Magro, gerente da área de expertise de recursos humanos da Hays, de São Paulo,
também descarta dinâmicas para posições que não sejam de estagiários e
trainees. "O melhor é a boa e velha entrevista", diz André.
Opinião
que é compartilhada por Jacqueline resch, sóciadiretora da consultoria carioca
Resch Recursos Humanos. "O bom processo é feito de instrumentos para
avaliar as competências do profissional, não de modismos. Se a empresa está
sendo levada por modismos e não sabe o que está investigando, quem ela vai
escolher no final? Ainda acredito que o instrumento mais importante no
recrutamento é a entrevista", diz Jacqueline.
O perigo
de introduzir técnica alternativas no processo seletivo, alertam os
especialistas, é que, além de não revelarem competências relevantes dos
candidatos, elas podem afastar bons profissionais. “São modismos que até
sobrevivem num mercado fraco, mas num setor aquecido o candidato se recusa a
participar desse jogo e a empresa corre o risco de perder um bom profissional”,
diz Simone Madrid, sócia da Teamwork Hunting Consultoria de Recursos Humanos.
Apesar do
alerta, a criatividade no campo da seleção rola solta. A reportagem da VOCÊ RH
ouviu sete consultores de RH e headhunters, que revelaram as piores práticas já
solicitadas pelas empresas clientes.Veja aqui o que não incluir em seu processo
seletivo.
Precisa-se de engenheiro (que
entenda de vinho)
Uma multinacional
de petróleo quer submeter os candidatos à vaga de emprego a uma prova com
panelas, na cozinha mesmo. Para essa organização, a habilidade do profissional
na cozinha pode revelar sua disciplina e capacidade de organização. “Eu ainda
contra-argumento dizendo que não sei cozinhar e, por isso, não poderia
trabalhar para a companhia.
Mas o pior é que, em muitos casos, fica com a vaga
aquele que faz o bolo mais gostoso”, conta Alexandre Luz, diretor de RH da PM
Luz Consultoria Recursos Humanos. Ele já viu um candidato à vaga de gerência
com responsabilidade de comandar 200 funcionários se recusar a ir para o
refeitório da companhia cozinhar. "O profissional disse que isso era uma
palhaçada e foi eliminado do processo.
A nós, headhunthers, resta apenas
identificar quem vai topar esse tipo de coisa", afirma Luz. Jaqueline
Resch também não entende o propósito de pedir a alguém para cozinhar. “Só se a
vaga for de gourmet. Caso contrário, é colocar o candidato em situação
desconfortável e desnecessária”. Como não bastasse testas as habilidades com as
panelas, outra empresa do setor de óleo e gás introduziu um teste de
conhecimento em vinhos na avaliação inicial para o cargo de engenheiro
comercial.
A justificativa, lembra Simone Madrid, da Teamwork, era de que a
empresa buscava um profissional refinado para receber comitivas estrangeiras e
frequentar jantares com presidentes de outras empresas.
Aula de artes plásticas
A vaga em
aberto era numa empresa multinacional europeia. O cargo, de chief finalcial
officer (CFO). Cada candidato tinha de desenhar alguém na chuva com um
guarda-chuva. Para isso recebia uma folha de papel em branco com outras quatro
folhas embaixo.
As folhas sobressalentes serviriam para que se pudesse analisar
a força que o profissional empregava ao escrever, o que, segundo os crédulos,
revelaria seu caráter. "Candidatos muito bons foram colocados de lado
porque o desenho não tinha chão ou porque tinham desenhado só uma pessoa
debaixo do guarda-chuva.
Confesso que até hoje não entendi o que a organização
enxergava como um desenho correto", diz Magui Castro, da CTPartners, de
São Paulo. "Eu pedia desculpas, e eles só riam."
Entrevista com faxina
Imagine a
seguinte situação: os candidatos chegam para uma dinâmica e encontram uma sala
suja. A primeira prova de competência a que são submetidos é o devido uso de
vassouras. E, para isso, todos são convidados a varrer o chão.
"Recentemente, me surpreendi quando uma empresa cliente questionou se é
usual nos processos seletivos os candidatos varrerem a sala de entrevista e
servirem água e café aos demais participantes.
Os condutores do processo
justificaram o método como sendo de fundamental importância para observar o
jogo de cintura e a disposição em servir o outro dos profisisonais", diz
Waleska Farias, consultora de carreira e imagem do Grupo Hel.
Vagas para taurinos e arianos.
Não insista
Pode
parecer coisa de outro planeta, mas há empresas que, ao enviar o perfil do
profissional para a vaga, já exigem que o headhunther selecione pessoas
nascidas num período específico do ano. "São aquelas que buscam levantar o
mapa astral da pessoa", diz Alexandre Luz.
Leonardo Leitão, gerente de
negócios da Proff Gente e Gestão, também já deparou com uma organização que
queria o mapa astral de candidatos à vaga de coordenação para identificar o
perfil mais compatível com o gestor. "Ganhou a vaga aquele que tinha o
melhor alinhamento de acordo com os astros. Eu até respeito a decisão, mas acho
um absurdo, porque isso não vai influenciar em nada a performance do profissional",
diz Leitão.
O pior caso, no entanto, foi o identificado por Waleska Farias:
"Recentemente, durante um processo seletivo, a pessoa que conduzia a
entrevista pediu para ver as mãos do candidato a fim de identificar, por meio
dos traços e do formato, se ele seria a pessoa certa para liderar a equipe de
vendas da companhia", conta.
Só os fortes sobrevivem
E quando
o cenário da seleção é um hotel fazenda? Mas, em lugar de camas fofinhas e
travesseiros macios, os candidatos encontram um acampamento mambembe. "Já
vi empresa de publicidade submetendo seus candidatos a treinamento de
sobrevivência, coisa que só é necessária para pilotos e comissários de bordo,
por exemplo.
A organização aluga um hotel fazenda e coloca o pessoal acampado,
já sabendo que está chegando uma frente fria por lá. Tudo isso para ver a
capacidade de liderança, de discernimento e de lidar com imprevistos dos
profissionais. Acho que, no fundo, a organização não sabe exatamente o que
quer. Por isso, acaba contratando errado", diz Alexandre Luz.
Tá puxado? Pede para sair!
Tem ainda
a chamada entrevista de pressão, na qual a empresa quer saber o nível de
estresse que o candidato é capaz de suportar e o faz passar por situações prá
lá de constrangedoras.
Em alguns casos, a pressão já começa pelo horário
marcado para a conversa. "Testemunhei o relato de uma profissional que foi
chamada para entrevista na empresa às 21h59", diz Waleska Farias. Simone
Madrid já viu candidato chorar em processos que mais pareciam interrogatórios.
Em um deles, ela conta que um diretor fazia bolinhas de papel e as lançava na
parede, por cima da cabeça do candidato enquanto ele falava. "O propósito
era intimidar e observar como o candidato reagiria", diz ela.
No quesito
"reação do candidato", há ainda os processos que incluem perguntas
estúpidas e que não agregam nada para a entrevista, a não ser olhares de
interrogação. "Tem quem pergunte, por exemplo, o que o profissional faria
se o escritório começasse a pegar fogo naquele exato momento. Mas não há como
prever a reação do profissional num caso assim. É claro que ele vai dar uma
resposta e, na hora, pode agir de modo diferente", diz Alexandre Luz.
Candidato = MBTI + OPQ32 + MQ
Queridinhos
dos profissionais de RH, os testes psicológicos não são inteiramente confiáveis
para determinar a escolha de um profissional.
Afinal, muitos deles revelam não
a personalidade da pessoa, mas o perfil dela naquele momento específico.
"Só faço se a empresa pede mesmo, porque, se o candidato está
desempregado, ele vai ser rotulado de inseguro no teste.
Mas é só ele começar a
trabalhar e ganhar confiança para o disco mudar", diz Magui Castro. André
Magro, da Hays, também não é a favor da aplicação dos testes. "Há testes
de até 10 000 reais que fazem análises de personalidade assim como a Mãe Dinah
faz previsões, pois eles não dizem se, nos próximos anos, o candidato vai ter
algum problema emocional", afirma.
Sua letra, seu destino
A maioria dos headhunters tende a
deixar os exames grafológicos ou testes de caligrafia fora do rol das bizarrices
da seleção, visto que são, segundo Jacqueline Resch, uma técnica respeitada na
França e usada por muitas empresas.
Mas o que dizer de uma companhia de grande
porte cujo dono conheceu uma grafóloga num aeroporto no exterior, ficou
impressionado com o que ela falou de sua letra em relação à sua personalidade
e, desde então, submete todos os candidatos ao teste com essa mesma pessoa?
"Antes de qualquer coisa, de qualquer entrevista, os textos dos candidatos
são enviados para fora do país, retornando com um laudo em português troncho,
que elimina candidatos excelentes sem que possamos fazer uma entrevista de
validação para checar o perfil dele", diz Simone Madrid. "Isso sem
falar no quanto esse vai e vem torna o processo mais lento." Bem, nesse
caso, a grafóloga ao menos tem o emprego garantido.
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