Por Jerônimo Mendes
Como é que você tem coragem de trabalhar para uma empresa sem valores e princípios ou ainda com valores bem diferentes dos seus? Isso lhe incomoda de alguma maneira ou o que importa de fato é a sobrevivência? Você se sente bem trabalhando feito louco e ganhando pouco enquanto a cabeça dos diretores está voltada para o próximo iate ou para o próximo avião, brinquedinhos típicos de empresários vislumbrados com o poder?
Quando Masaru Ibuka fundou a Sony entre as ruínas de um Japão derrotado e devastado em 1945, ele alugou uma sala de telefonia abandonada no que restou de uma velha loja de departamentos bombardeada e incendiada no centro de Tóquio e, com sete funcionários e apenas US$ 1.600 de economias pessoais, começou a trabalhar.
Em agosto de 1945, Ibuka não tinha nenhuma ideia específica de produto. Ele e seus sete fiéis funcionários fizeram uma sessão de brainstorming para decidir quais seriam os seus possíveis produtos. Na prática, eles não tinham a mínima ideia do que fazer, diferente de muitas empresas que nasceram com uma grande ideia e não prosperaram.
Segundo Akio Morita, o executivo que entrou na empresa pouco depois da sua fundação e revolucionou a Tokyo Tshushin Kyogu (TTK), nome original da Sony, o pequeno grupo se reunia em conferências e durante semanas tentou descobrir em que tipo de negócio a nova empresa poderia se aventurar para ganhar dinheiro.
Eles consideraram uma séria de possibilidades, desde sopa adocicada de creme de feijão até miniaturas de equipamentos de golfe e réguas de cálculo. A primeira tentativa de produto da Sony, uma simples panela elétrica para fazer arroz, não funcionava direito e o seu primeiro produto significativo, um toca-fitas, foi um verdadeiro fracasso no mercado.
Quais seriam as primeiras prioridades de Ibuka? O que deveria ser feito de imediato no meio daquelas ruínas deprimentes? Montar um orçamento? Administrar o fluxo de caixa? Lançar produtos? Conquistar clientes a qualquer preço? Decidir qual seria a sua atividade principal? Emprestar dinheiro? Pedir ajuda ao governo?
Em 7 de maio de 1946, menos de um ano depois de se mudar para Tóquio e, obviamente, bem antes de a empresa apresentar um fluxo de caixa positivo, ele redigiu um “prospecto” incluía os seguintes itens, entre muitos outros – o original era muito extenso -, denominado “Objetivos da formação da sociedade”.
- Criar um local de trabalho em que os engenheiros possam sentir a alegria da inovação tecnológica, estejam conscientes da sua missão perante a sociedade e trabalhem felizes.
- Realizar atividades dinâmicas em tecnologia e produção para reconstruir o Japão e elevar a cultura do país.
- Aplicar tecnologia avançada à vida do público em geral.
Para Ibuka, se fosse possível criar condições em que as pessoas pudessem se unir com um forte espírito de trabalho em equipe e exercer sua capacidade tecnológica do fundo do coração, esta organização poderia proporcionar um prazer incalculável e trazer benefícios incalculáveis para todos os envolvidos no processo: clientes, funcionários, fornecedores e a sociedade em geral.
Além dos objetivos, Ibuka definiu as principais diretrizes de gerenciamento que deveriam ser disseminadas e aplicadas em todos os níveis da organização, a saber:
- Combateremos a busca injusta pelos lucros, enfatizaremos com persistência o trabalho substancial e essencial e buscaremos mais do que o simples crescimento.
- Veremos as dificuldades técnicas como algo benéfico e nos concentraremos em produtos técnicos altamente sofisticados de grande utilidade para a sociedade, independentemente da quantidade necessária.
- Enfatizaremos principalmente a capacidade, o desempenho e o caráter pessoal para que cada indivíduo possa dar o melhor de si no que se refere à capacidade e habilidade.
A partir da elaboração desse “prospecto”, os ideais incorporados se transformaram na força motriz que orientou a empresa durante praticamente trinta anos, com pequenas mudanças à medida que os negócios iam crescendo numa velocidade incrível.
Quarenta anos depois de Ibuka ter redigido o prospecto, Akio Morita, diretor-executivo da Sony, reformulou a ideologia da empresa por meio de uma declaração simples e elegante, denominada “O Espírito Empreendedor da Sony”:
“A Sony é uma pioneira e nunca teve a intenção de seguir os outros. Através do progresso, a Sony quer atender ao mundo inteiro. Ela sempre estará em busca do desconhecido. Um dos princípios da Sony é respeitar e encorajar as capacidades das pessoas... E ela sempre tenta tirar o melhor de todos. Esta é a força vital da Sony”.
Agora, vamos refletir juntos: quantas empresas existem com sentimentos tão idealistas incluídos em seus documentos de fundação? De quantos empreendedores você ouviu falar que tivessem princípios, valores e objetivos tão nobres quando ainda estavam lutando para ganhar dinheiro para sobreviver? Quantas empresas você conhece com ideologias tão claras nos seus primórdios, sem mesmo saber ao certo que tipo de produtos iriam fabricar?
É inegável que a lucratividade é uma condição necessária para a existência das empresas e um meio de se atingir objetivos mais importantes, mas, não é o objetivo em si para muitos empreendedores visionários. Lucros são importantes, mas o que projeta uma empresa para frente, muito mais do que os lucros, são os princípios.
Vejo essa corrida frenética pelo dinheiro, bastante disseminada entre os jovens da Geração Y, com preocupação. Quem foi o imbecil que afirmou que se alguém não chegar ao topo da carreira antes do 30 anos, está fora do mercado?
Ao estudar a história de grandes empreendedores, Steve Jobs, Bill Gates, Walt Disney, Sam Walton, Henry Ford, Anita Roddick e Masaru Ibuka, entre outros, nota-se que o impulso de ganhar dinheiro é bem menor do que o desejo de fazer algo mais, de proporcionar valor a fim de melhorar a vida das pessoas.
Portanto, ao escolher uma empresa para trabalhar ou ao definir uma visão de futuro e uma missão de negócio para sua própria empresa, as perguntas mais importantes a serem feitas são: essa empresa tem princípios e valores bem definidos? Ela está de acordo com a minha ideologia e as minhas ambições?
Penso que empresas são concebidas para melhorar a vida das pessoas e tornar o mundo um lugar melhor para se viver. Qualquer coisa diferente disso serve apenas para engrandecer o ego do fundador e provocar disputas futuras entre sócios ou herdeiros que, em geral, não fazem a mínima ideia dos sacrifícios impostos para se chegar aonde chegou.
Pense nisso, empreenda e seja feliz!
Fontes de consulta
Collins, James C.; Porras, Jerry I. Feitas para durar: práticas bem-sucedidas de empresas visionárias. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.
Goleman, Daniel. Os grandes empreendedores. Rio de Janeiro: Elsevier/Campus, 2007.
Mendes, Jerônimo. Manual do Empreendedor: como construir um empreendimento de sucesso. São Paulo: Atlas, 2009.
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